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Reconexão ancestral de Itapira

Comitiva Kariri Xocó em Itapira em 2023

O estudo da História Antiga nos permite vislumbrar a essência da Humanidade. Nesse mergulho nas eras passadas, compreendemos que, apesar das transformações dos saberes, dos costumes e das expressões, somos, no âmago, um mesmo animal.

As profundas mudanças desencadeadas pela democratização da comunicação instantânea trouxeram consigo desafios significativos, como ampla disseminação da cultura da guerra total. Muitas vezes, isso se manifesta em fundamentalismos religiosos e ideologias prejudiciais ao desenvolvimento da civilização humana, abalando nossas estruturas e dificultando o avanço em direção a um futuro de conforto social e individual. Assim nossos esforços buscam soluções pacíficas e afetuosas com os muitos povos que formam nossa identidade brasileira.

Os povos originários sempre souberam que a Floresta é como um jardim, pois requer cuidados constantes, conhecimento profundo de botânica, zoologia e outras disciplinas para compreender a Vida na Terra. Isso nos lembra da necessidade urgente de estabelecer relações saudáveis ​​com as diversas culturas que formam o Brasil. Embora reconheçamos a importância de uma união nacional estável para a manutenção de nossa extensa territorialidade como um escudo e facilitador para o mercado global, também é vital compreender que podemos abraçar múltiplas expressões culturais. Um dia treinamos sapateado, no outro a catira, e no seguinte o Toré. O que realmente importa é o respeito pelos nossos ancestrais, o estudo de suas culturas e o tratamento digno a cada símbolo identitário ancestral.

Os povos do tronco linguístico Macro-Jê já dominavam vastas extensões do que hoje conhecemos como Brasil. Com o fortalecimento das famílias do tronco linguístico Tupi, os Macro-Jê migraram para o nordeste latino-americano. É nesse contexto que a comitiva Kariri-Xocó de Alagoas desempenha um papel grandioso ao retornar à terra de seus ancestrais, religando uma linha temporal muito mais antiga do que se esperava com o início dos trabalhos da exposição: Entre a Pedra e o Peixe. Nosso Brasil, como nação, está comprometido em reunir evidências científicas que silenciam as vozes que ainda negam a permanência milenar da cultura diversificada de nosso povo. Se, de fato, estamos moldando uma nova cultura, que saibamos contar essa história com beleza, por meio das artes, dramas e danças que melhor definem nossa própria personalidade. Compreendendo que qualquer fazer nosso é produto cultural brasieliro.

A exposição “Entre a Pedra e o Peixe” busca se destacar pela profundidade de suas abordagens. Reconhecemos que nossa ligação com o passado milenar de Itapira estava, até então, guardada apenas em seu nome. Portanto, nossa exposição começa com um estudo minucioso da pronúncia e tradução da palavra “Itapira”. Com o projeto idealizado e as primeiras conversas técnicas ocorrendo em junho, os trabalhos avançaram rapidamente, e em julho já tínhamos um plano de ação sólido. A divulgação do calendário da 17ª Primavera dos Museus acelerou ainda mais nosso cronograma, com a equipe técnica dos museus apresentando o plano à Secretaria de Cultura e Turismo, que gentilmente abraçou a proposta e se comprometeu a abrir a exposição em 18 de setembro de 2023.

Na sexta-feira, 22 de setembro, recebemos uma comitiva que trouxe consigo a memória, os cantos e as danças do povo Kariri-Xocó, habitantes milenares do nordeste latino-americano. Durante o encontro, discutimos como o fim da indústria lítica inclui a importância da região e como a descoberta de ouro em Minas Gerais reacendeu o interesse pela Baixa Mogiana, consolidando a cultura caipira no sudeste. É crucial esclarecer que não existem evidências de conflitos com povos nativos na região, mas sim histórias de casamentos e adaptações culturais, que deram origem à rica cultura caipira. Por outro lado, é doloroso que nossa relação com o escravismo tenha diminuído a diversidade étnica de Itapira, criando uma lacuna vergonhosa, a qual buscamos preencher por meio dessa exposição e do reencontro do povo Kariri-Xocó com um de seus muitos territórios ancestrais.

A comitiva Kariri-Xocó demonstrou grande interesse pelas pedras polidas, e aproveitamos a oportunidade para compartilhar conhecimentos sobre a indústria lítica antiga, que desempenhou um papel fundamental na região e ainda mantém sua influência na produção cerâmica até os dias atuais. Compreendemos que a maior parte da produção lítica de Itapira está ligada às famílias Macro-Jê, enquanto os Guarani adotaram a prata Inca e estabeleceram acordos com os portugueses para o fornecimento de ferro fundido.

O Cacique Buzurã Kariri-Xocó transmitiu mensagens de esperança, enfatizando a paz e a união entre os povos em prol da preservação e melhoria da Vida e da Humanidade, em especial no Brasil. Suas palavras ressoaram diretamente com nosso secretário, Cesar Lupinacci, e depois a todo o público presente ao encontro.

A comitiva composta por sete homens Kariri-Xocó passou a noite na casa do comissário de nossa organização e partiu com os primeiros raios do Sol, mantendo planos para um retorno. A Secretaria de Cultura e Turismo manifestou interesse em desenvolver um trabalho mais gentil direcionado às crianças de Itapira, garantindo que as próximas gerações também possam se beneficiar da reconexão ancestral que testemunhamos nestes dias quentes de setembro de 2023.